Racismo na Creche Leonor: Polícia Civil de Bariri abre inquérito para apurar crime de discriminação, preconceito e injúria racial de professora contra crianças; Prefeitura afasta docente e abre processo interno por suposta agressão

O município de Bariri mais uma vez virou destaque na imprensa regional por um péssimo motivo. Na semana que antecede o aniversário da cidade, os olhos dos veículos de comunicação de toda a região se voltaram para a Creche Professora Leonor Mauad Carreira, unidade da Rede Pública de Ensino Infantil, onde teria ocorrido um lamentável caso de racismo. O caso foi divulgado pela TV Tem e Portal G1 da Rede Globo, SBT Central, Jornal da Cidade (de Bauru), Rádio Energia FM (de Jaú), entre outros veículos.
A informação foi dada em primeira mão pelo Jornal Noticiantes na manhã desta segunda-feira (09). A denúncia aponta que uma professora, identificada pelas iniciais G.F.S., teria cometido racismo contra pelo menos duas crianças. O fato, que teria ocorrido em sala de aula – e inclusive, presenciado por outras funcionárias da creche – foi relatado de forma anônima ao Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de Bariri, órgão presidido por Clarina Genaro.
Segundo Clarina, o caso chegou ao conhecimento do conselho na quinta-feira passada, dia 05 de junho, pela manhã. “Recebemos a denúncia na quinta de manhã e já agimos nos mesmo dia”, disse Clarina. A nota emitida pelo órgão diz que, ainda na quinta-feira (05), a chefe de Gabinete, Diretora de Assistência Social e Gestora Municipal de Política de Igualdade Racial de Bariri, Luciana Lucinio, foi notificada (pessoalmente e por e-mail) no mesmo dia.
Nossa reportagem tentou contato com Luciana Lucinio, no decorrer da segunda-feira, mas não obtivemos retorno para confirmar a informação. Ainda segundo a nota oficial do Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de Bariri, a notificação também se estendeu ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e Diretoria de Ação Social, para averiguação dos fatos.
A nota ainda informa que Diretoria de Educação, comandada por Cinira Mazzoti, também tomou conhecimento da situação.
Também tentamos contato com Cinira por diversas vezes, mas ela também não retornou nossa mensagem e não atendeu nossas ligações.
“O Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de Bariri manifesta seu profundo repúdio ao suposto ato de racismo praticado por uma servidora da Rede Municipal de Ensino contra duas crianças negras, na Creche Professora Leonor Mauad Carreira. O racismo é crime inafiançável e imprescritível, conforme a Constituição Federal e a Lei 14.532/2023. A escola deve ser um espaço de respeito, acolhimento e inclusão – jamais de violência ou discriminação. Assim que tomou conhecimento da denúncia, o Conselho notificou pessoalmente a Gestora Municipal de Política de Igualdade Racial de Bariri, Luciana Lucinio, e, por e-mail, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e a Diretoria de Ação Social, para averiguação dos fatos. A Diretoria Municipal de Educação e Cultura foi notificada pela própria gestora da Política de Igualdade Racial e diretora da Ação Social, Luciana Lucinio para averiguação dos fatos. A Diretoria Municipal de Educação e Cultura foi notificada pela própria gestora da Política de Igualdade Racial e diretora da Ação Social, Luciana Lucinio”, começa a nota.
Denúncia alega discriminação e tratamento diferenciado
Ainda segunda a nota assinada por Clarina Genaro, a denúncia anônima afirma que as vítimas sofreram “atitudes discriminatórias ocorridas durante o período regular de atendimento, indicando tratamento diferenciado e possivelmente vexatório, com base em características raciais”.
“Tais condutas, se confirmadas, configuram violação dos direitos fundamentais da criança e afronta aos princípios de igualdade, diversidade e proteção integral previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Diante da gravidade dos fatos, o Conselho solicitou a apuração imediata do caso, o acompanhamento psicossocial da criança e de sua família, bem como a responsabilização institucional cabível. Reforçamos a necessidade de resposta rápida, responsável e sensível por parte dos órgãos competentes, para assegurar um ambiente educacional seguro, inclusivo e livre de qualquer forma de preconceito ou violência”, finaliza.
Delegado abre inquérito e intima diretora
No início da tarde de segunda-feira (09), a Polícia Civil de Bariri cumpriu diligências na Creche Leonor. Atentos à repercussão da notícia nos veículos de imprensa locais, a equipe conversou com a diretora da unidade, Lucilene Grigolin, com professoras e também com Agentes de Desenvolvimento Infantil (ADIs).
Logo após, veio a informação oficial de abertura de Inquérito Policial de “preconceito de raça e cor por prática de discriminação”, instaurado com base no artigo 20 da lei n°. 7.716. A legislação tipifica como crime praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, com pena de reclusão de um a três anos e multa.
Ainda, com base no artigo 2-A da mesma lei (consiste em injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional. A pena para este crime é de reclusão de 2 a 5 anos e multa), o inquérito também aborda injúria racial.
Em entrevista ao jornalista Paulinho Camilo da 91 FM (Sistema Belluzzo de Comunicação), o delegado dr. André Ferreira, responsável pela investigação, comentou o caso, reforçando que a diretora da unidade foi intimada pela Polícia Civil.
“Inicialmente, a Polícia Civil acabou sabendo do caso através da imprensa. A partir daí, nosso delegado seccional imediatamente pediu para nós tomarmos providências – o que foi feito. Intimamos a diretora da creche, Professora Lucilene Valéria da Silva Grigolin, para nos passar as primeiras informações. Passadas as primeiras informações, foi imediatamente instaurado inquérito e passado ao serviço dos investigadores, para identificação correta das testemunhas. A pari daí, vão ser feitas as oitivas de testemunhas”, disse dr. André.
Além dos crimes de racismo e injuria racial, também será apurada uma suposta agressão cometida pela mesma professora contra uma criança. O vídeo que mostraria o fato está em posse da Prefeitura Municipal de Bariri.
“Ainda vai ser avaliado melhor, mas não houve lesão. A diretora não viu o fato, mas indicou nome das professoras que presenciaram a situação. A partir daí, os fatos vão ser apurados ouvindo cada uma das professoras. O vídeo vai ser avaliado com calma, para se chegar a verdade dos fatos”, completa.
Prefeito afasta docente e abre Processo Administrativo por agressão
Na edição exta do Diário Oficial publicada na última sexta-feira (06), o Prefeito Municipal de Bariri, Airton Pegoraro (Avante), afastou a professora G. F. S. do cargo pelo período de 60 dias, para apuração do caso por meio de Processo Administrativo (PA).
“Afastar de suas funções, por um período de 60 dias, a partir de 09 de junho de 2025, a Sra. G.F.S., Professora efetiva desta Municipalidade, conforme determina o art. 10. da Lei Municipal nº 5.048, de 07 de julho de 2021, em decorrência da instauração do Processo Administrativo nº 3341/2025”, diz a publicação.
O processo administrativo disciplinar é um instrumento pelo qual a administração pública exerce seu poder para apurar as infrações funcionais e aplicar penalidades aos seus agentes públicos e àqueles que possuem uma relação jurídica com a administração.
Uma prefeitura não pode demitir um servidor sem antes passar por um processo administrativo, que garanta ao servidor investigado o contraditório e a ampla defesa. Este processo é fundamental para garantir os direitos do servidor e assegurar que a demissão (caso aconteça) seja justificada.
O PA aberto instaurado pela prefeitura foi aberto com base em imagens que teriam sido gravadas por câmeras de segurança da própria creche, instaladas em uma das salas de aula. Segundo apurado por nossa reportagem, a professora em questão teria sido flagrada em um possível ato de agressão contra uma criança. A Prefeitura de Bariri não citou racismo, apenas a questão da suposta agressão.
Em nota emitida ao final da tarde de segunda-feira (09), a administração municipal reforçou seu compromisso em apurar o caso.
“A Prefeitura de Bariri informa que a apuração do incidente ocorrido na Creche Professora Leonor Mauad Carreira, contra duas crianças, está sendo conduzida de forma criteriosa pela Secretaria Municipal de Educação, e seguindo todos os protocolos estabelecidos para garantir a transparência e a justa responsabilização dos envolvidos. Assim que foi informado sobre o ocorrido, o prefeito Airton Pegoraro, determinou o imediato afastamento da professora por 60 dias das funções, publicando a decisão no Diário Oficial do município em (edição extra) na sexta-feira (07), além da determinação para que fosse instaurado o Processo Administrativo nº 3341/2025. A Prefeitura Municipal informa que foram adotadas também providências imediatas para proteger os direitos do aluno e garantir a segurança de todos os envolvidos. As imagens das câmeras de segurança da unidade foram analisadas e apresentadas as autoridades competentes, no registro do boletim de ocorrência na delegacia da Polícia Civil. O Conselho Tutelar acompanha de perto o caso, garantindo os direitos da criança e apoiando a família. A Prefeitura de Bariri, por meio da Secretaria Municipal de Educação, informa que não compactua com qualquer tipo de violência, seja física ou psicológica, dentro ou fora do ambiente escolar”.
Associação Quilombo pede letramento racial nas escolas
Em nota enviada à imprensa, a Associação Cultural Quilombo, de Bariri, entidade que promove políticas públicas, culturais e educacionais voltada à preservação da identidade da população negra, lamentou o caso.
O pronunciamento chama a atenção para uma iniciativa denominada “letramento racial”. Trata-se de um processo educacional que prega a conscientização e desconstrução do racismo. Para o Quilombo, tal prática deve ser posta em prática nas escolas de Bariri. Veja abaixo a nota na íntegra:
“A Associação Cultural Quilombo de Bariri manifesta sua profunda indignação diante do ato de racismo praticado por uma professora da rede local de ensino, recentemente afastada de suas funções. Racismo é crime, e sua manifestação em ambientes educativos é especialmente grave, pois compromete a formação cidadã e humana de nossas crianças e jovens. O espaço escolar deve ser um ambiente de respeito, diversidade e acolhimento. Quando uma figura de autoridade, como uma professora, comete atos discriminatórios, não apenas ofende e fere, mas também perpetua estruturas de exclusão e violência que combatemos há séculos.
Diante desse episódio, reforçamos a urgência de implementar o Letramento Racial nas escolas e instituições públicas. Trata-se de um processo educativo que visa ampliar a consciência crítica sobre as questões raciais, promovendo o reconhecimento das identidades negras, a valorização da diversidade étnico-racial e o combate efetivo ao racismo estrutural. A proposta de Letramento Racial que a Associação Cultural Quilombo de Bariri está desenvolvendo busca justamente prevenir situações como essa, oferecendo formação continuada a educadores, gestores e comunidade escolar. Acreditamos que a educação antirracista deve ser uma prática cotidiana e institucionalizada.
Seguiremos vigilantes e atuantes, exigindo responsabilidade, justiça e reparação. E, mais do que isso, seguiremos trabalhando para construir uma Bariri mais justa, plural e antirracista”.
Conselho Tutelar e CMDCA apuram caso em conjunto
Na tarde de terça-feira (15), um dia após o fato vir à tona, o Conselho Tutelar de Bariri em conjunto com o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente também se manifestaram.
Os órgãos informam que uniram forças e atuam no caso em conjunto. Veja o pronunciamento completo abaixo:
“O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e o Conselho Tutelar de Bariri vêm a público se manifestar aos possíveis atos de violência e discriminação sofridos por uma criança em creche municipal, conforme informações divulgadas recentemente. Enquanto órgãos de defesa dos direitos da criança e do adolescente, reiteramos nosso compromisso inabalável com a promoção de um ambiente escolar livre de todas as formas de discriminação e violência.
A atuação do CMDCA e do Conselho Tutelar é complementar e essencial para a efetividade da proteção dos direitos da criança e do adolescente. Enquanto o Conselho Tutelar atua diretamente nos casos de violação de direitos, o CMDCA trabalha na formulação e fiscalização das políticas que visam prevenir e combater essas violações, incluindo o preconceito e a discriminação. Em casos de suposta discriminação, ambos os órgãos colaboram para garantir que a criança receba o apoio necessário e que as medidas cabíveis sejam tomadas para coibir e responsabilizar os envolvidos.
O CMDCA e o Conselho Tutelar de Bariri permanecerão vigilantes e atuantes, acompanhando de perto o desdobramento deste caso e trabalhando incansavelmente para garantir que os direitos de todas as crianças e adolescentes de Bariri sejam respeitados e protegidos. Independentemente do resultado da apuração, o CMDCA irá promover campanhas educativas, sensibilizando a sociedade para a importância da proteção integral em uma sociedade justa e igualitária, onde cada criança possa crescer e se desenvolver plenamente, livre de preconceitos e violências.”
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